Por que saímos do Brasil?
Não sei em que momento exatamente surgiu a ideia de sair do Brasil, mas eu sempre tive esse sonho, desde os tempos do colégio.
Em 2006 o sonho começou a se tornar um objetivo mais concreto: destruíram a porta do meu apartamento no meio da tarde e levaram um monte de coisas. Não sei quantos de vocês já passaram por isso, mas a sensação de violação é difícil de superar. A vontade de fugir do país imediatamente foi bem forte.
Já nessa época estudamos a possibilidade de vir para o Canadá por causa dos vários programas de imigração do país, mas tudo parecia muito complicado e não fomos adiante nos planos.
Alguns anos depois entraram novamente no apartamento, dessa vez de madrugada, enquanto eu dormia (morava sozinha ainda). Não vi nada e descobri quando acordei e me deparei com uma escada ao lado da janela da área de serviço (3º andar). Nesse caso, o sentimento foi de completo pavor, pensando em tudo que poderia ter acontecido. Até hoje isso me assombra.
Depois disso, mudei de apartamento bem rápido (para o 17º andar), e a vida seguiu. Planos esquecidos, a preocupação era pagar o apartamento novo.
Em 2014, o Leo (meu marido) recebeu uma proposta de emprego na Alemanha e pensamos que havia chegado a hora de irmos embora, mas não nos adaptamos e acabamos voltando.
Não é novidade que de lá pra cá a situação de insegurança no Brasil só piorou. Eu nem cogitava sair a pé com carteira e celular. Andar de transporte público ou mesmo com a janela do carro aberta se tornou impensável. Qualquer retorno para o carro estacionado na rua parecia uma operação de guerra, além de sempre haver a possibilidade de se encontrar o vidro quebrado. Ouvíamos notícias por toda a parte de gente sendo morta de forma gratuita, às vezes só por causa de um telefone. Tínhamos medo, bastante medo.
Outra coisa que sempre nos incomodou foi o verão. Eu tenho horror a passar calor, e o Leo não é diferente. Para nós, isso contou bastante na decisão de ir embora. Podemos falar também que a falta de educação de boa parte dos brasileiros foi outro fator importante.
Não bastasse isso, veio a eleição de 2018. O país dividido, a intransigência no grau máximo. Não me entendam mal porque eu tenho horror a qualquer político, não importa o partido – ou seja, não estou defendendo ninguém –, mas o escolhido superou a barreira do tolerável. Sem mentira, morro de vergonha toda vez em que o Brasil aparece nas notícias, não só aqui no Canadá, mas nos jornais do mundo inteiro também.
Resolvemos que havia finalmente chegado a hora. Nossa situação era bem diferente da de 2006 e tínhamos condições de fazer a mudança. Meio velhos pra imigrar? Talvez. Mas junto com a experiência vem uma melhor condição financeira, mais conhecimento de outras línguas, mais experiência profissional e mais certeza sobre o que buscar no futuro. O Leo já trabalhava à distância para uma empresa fora do Brasil. Eu não estava contente com o meu trabalho e adorei a ideia de fazer uma pausa para estudar, como contei no artigo anterior.
O Canadá voltou, então, aos planos. Por causa da língua e dos programas de imigração, mas também por ser notória a qualidade de vida aqui.
A decisão não foi fácil nem simples.
Nossas famílias se mostraram bem resistentes à ideia de irmos morar tão longe, e a distância ainda provoca tristeza.
Outra grande complicação é enfrentar o desconhecido. Trocar um mundo que conhecemos bem, no qual nos sentimos confortáveis, por outra cultura, outra língua, outros valores. Há muito para aprender.
Além disso, como não somos residentes permanentes aqui ainda, a situação não é totalmente estável, o que é estranho quando se pensa que há bem pouco tempo meu maior problema era conseguir aguentar meu trabalho até chegar a hora de me aposentar. Eu tinha um emprego público do tipo com que muita gente sonha, e a opinião geral era de que seria uma loucura largá-lo sem saber ao certo o que fazer por aqui. Talvez seja mesmo, mas como saber sem tentar?
Um outro fator que seria um empecilho para muitos é o inverno aqui no Canadá, mas nós adoramos o frio e estamos aqui para fugir do interminável verão brasileiro, como eu disse antes. E, para ser bem sincera, passávamos mais frio dentro de casa em Porto Alegre do que passamos aqui, onde tudo é realmente preparado para se enfrentar o inverno. E na rua é só ter o casaco certo (e as botas, e as luvas, e o gorro, e a manta…).
Me questionaram bastante sobre os confortos dos quais eu estaria abrindo mão, como faxina, massagem, personal trainer, manicure, carro, viagens como turista, e por aí vai, mas isso não teve impacto algum na decisão. É uma questão de escolhas e prioridades, e nós escolhemos a qualidade de vida que podemos ter aqui (mas admito que às vezes sinto falta da massagem!).
A parte prática da mudança também não foi fácil. Pensem em tudo que vamos acumulando e em como é escolher o que vai vir nas malas. Porém, o legal disso é que depois que nos acostumamos com a ideia, é meio libertador se desfazer das coisas, a maioria só serve para pegar pó e ocupar espaço. Houve bastante burocracia também, mas isso faz parte de qualquer processo de mudança.
Se valeu a pena? Até agora a experiência tem sido válida.
No quesito segurança, estamos vivendo em outro mundo. As casas não têm cerca. Pacotes de encomenda são deixados na frente das casas. Podemos andar na rua com o celular na mão sem ter que ficar olhando em volta. Podemos passear nos parques com tranquilidade. O transporte público é seguro. Mesmo sozinha, não tenho medo de caminhar à noite. É claro que nem tudo é perfeito e descuidados podem ser furtados, mas a hipótese de alguém ser ameaçado com uma arma é bem improvável.
O que serviu de principal impulso para a mudança de país, a violência, é agora problema do passado. Questão resolvida. Todo o resto ainda é uma incógnita – vou contando por aqui os obstáculos que forem aparecendo –, mas estamos bem satisfeitos por já termos dado os primeiros passos em busca de um futuro melhor.
Photo by Sugarman Joe on Unsplash
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